POESIA DO TEMPO
O equívoco entre poesia e povo já é demasiadamente sabido para que valha a pena insistir nele. Denunciemos antes o equívoco entre poesia e poetas. A poesia não se “dá”, é hermética ou inumana, queixam-se por aí. Ora, eu creio que os poetas poderiam demonstrar o contrário ao público. De que maneira? Abandonando a ideia de que poesia é evasão. E aceitando alegremente a ideia de que poesia é participação. Não basta dizer que já não há torres de marfim; a torre desmoronou-se pelo ridículo, porém muitos poetas continuam vendo na poesia um instrumento de fuga da realidade ou de correção do que essa realidade ofereça de monstruoso e de errado. Desenvolve-se então entre eles a linguagem cifrada, que nenhum leigo entende, e que suscita o equívoco já célebre entre poesia e povo.
Participação na vida, identificação com os ideais do tempo (e esses ideais existem sempre, mesmo sob as mais sórdidas aparências de decomposição), curiosidade e interesse pelos outros homens, apetite sempre renovado em face das coisas, desconfiança da própria e excessiva riqueza interior, eis aí algumas indicações que permitirão talvez ao poeta deixar de ser um bicho esquisito para voltar a ser, simplesmente, um homem.
(Carlos Drummond de Andrade, Obra Completa, Rio de Janeiro, 1964).